Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis são desafios imperativos para a geração presente. A sustentabilidade é sim para todos os negócios, seja para a moda ou qualquer outro setor. Precisamos ampliar o entendimento do conceito e conhecer os caminhos para sua prática, que, inclusive, tem se destacado com diferencial competitivo de marca.
A DUME convidou profissionais de diferentes áreas do setor produtivo de moda para dialogar sobre esse tema e comprovar como as iniciativas sustentáveis podem ser aplicadas a empreendimentos dos mais variados setores e portes.
Tainah Fagundes, comunicóloga à frente da marca Da Tribu – empreendimento social de ecomoda da Amazônia, cuja produção de tecidos e joias artesanais se baseia nos princípios da sustentabilidade, com foco na valorização dos saberes tradicionais dos povos da floresta.
Marcelo Lobo é engenheiro químico, pós-graduado em tecnologia de qualidade, com longa experiência no setor. Atualmente trabalha na área de negócios sustentáveis da C&A Brasil, marca global de moda de varejo, que dispensa apresentações.
Um diálogo com mediação da nossa fundadora, Dani Gábriél, empreendedora, professora e consultora de economia criativa, moda, desenvolvimento de produtos e gestão empresarial.
Vem com a DUME para esse bate papo refletir ainda sobre economia circular, consumo responsável, inovação e muito mais.
Afinal, você sabe o que é desenvolvimento sustentável?
“Desenvolvimento Sustentável consiste em satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”, abrangendo as dimensões: econômicas, sociais e ambientais. (ONU)
Fortalecendo essa introdução ao tema, Dani Gábriél reflete: “Não há mais tempo de não olhar e agir em prol do desenvolvimento sustentável. Muitos recursos cruciais como a energia e a matéria prima estão perto de superar seu pico de disponibilidade e se tornarão cada vez mais escassos se nós não mudarmos nossos comportamentos de consumo e estilos de vida”.
INOVAÇÃO, SUSTENTABILIDADE E MODA
“A indústria da moda tem ainda a maioria dos seus negócios pautados na economia linear, baseada na extração e descarte. Apesar dos desafios, surgem oportunidades de pensar e trazer a sustentabilidade para o setor da moda e da inovação”, reflete Dani Gábriél.
A Fashion for Good é exemplo de iniciativa atuante no fomento por uma indústria da moda mais sustentável.
Trata-se de uma ação global formada por fornecedores, produtores, empresas varejistas, financiadores e organizações sem fins lucrativos, que refletem e adotam uma visão circular e sistêmica da cadeia de produção e consumo.
A prática se dá em frentes como: programas de aceleração; promoção da reciclagem e reuso; financiamento; capacitação e partilhas de metodologias; ações setoriais e colaborativas; entre outras.
Tecnologia Social na indústria da Moda
A tecnologia social significa desenvolver produtos e procediments para resolver ou minimizar problemas que afetam a sociedade. Preferencialmente soluções que englobem acessibilidade de custo e uso por parte da população.
Podemos entender melhor esse conceito no olhar da Tainah Fagundes para a sua marca Da Tribu, sua história e processos de produção:
“A marca nasce no Pará e trabalha no desafio de reescrever o ciclo da borracha amazônica a partir do conhecimento ancestral indígena e de história vivenciadas por populações ribeirinhas”.
A intenção primária foi valorizar a produção artesanal. Soma-se isso ao reaproveitamento do resíduo têxtil e a adesão a maquinários que agregassem valor a esse processo, sem diminuir a identidade desejada da manualidade da produção.
Para isso, a ecoempreendedora promoveu uma profunda análise colaborativa sobre a extração da borracha para entender suas especificidades.
Aliada a pesquisas e protótipos de produtos constantes, mais consultorias e outras demandas.
O resultado é a criação de biomateriais sustentáveis e ecológicos para a área da moda, como o TEA – tecido de fios de algodão emborrachado da Amazônia, joias artesanais de látex entre outras criativas possibilidades.
“Realmente fomos reorganizando processos de produção sistêmicos e atuando de modo a tornar essa cadeia o mais transparente possível. Buscando sempre um crescimento equilibrado, responsável, olhando para a Amazônia e outras comunidades. O objetivo da marca foi fugir do tradicional processo linear para falar que artesanato é moda, moda é cultura, moda é política”, Tainah.
Trazendo essa visão para marcas globais e grandes indústrias, cada vez mais há a exigência de se “construir infraestruturas resilientes, que promovam a industrialização inclusiva e sustentável e fomente a inovação”, conforme anuncia a ONU em meta a ser desenvolvida por toda a sociedade e Governos.
Isso inclui ações como “modernizar a infraestrutura e reabilitar as indústrias para torná-las sustentáveis, com eficiência aumentada no uso de recursos e maior adoção de tecnologias e processos industriais limpos e ambientalmente corretos”.
Nessa sintonia, a C&A Brasil conta com uma Plataforma Global de Sustentabilidade com propostas que incluem programas de gestão sustentável; parcerias com fornecedores e produtores que adotam essa lógica circular; projetos sociais que agregam e se se beneficiam deste tipo de ação; adoção de processo e novos produtos mais ecológicos e alinhamento com programas normativos e de certificação.
A C&A e outras empresas de grande porte estão assumindo de forma gradual essas mudanças necessárias. De acordo com Marcelo Lobo, o ritmo se deve a complexidade de alterar práticas de grandes proporções e também que já estão enraizadas nesses setores e indústria.
Contudo vem sendo executadas continuamente, muito pelas demandas do novo mercado consumidor e, claro, com a conscientização da urgência e pertinência da causa.
“Quando conectamos esses blocos de programas e princípios da Plataforma vamos formando essa economia sustentável e circular. É sempre complexo, mas estamos procurando alternativas interconectadas e sustentáveis que agreguem as dimensões econômicas, sociais e ambientais”, sintetiza o especialista.
O que uma marca precisa fazer para ser considerada sustentável?
Para ter um parâmetro das dimensões da sustentabilidade, organizações especializadas estão criando métricas, certificações e categorias para informar, monitorar e avaliar as ações e o desempenho das instituições quanto à sustentabilidade.
Entre elas há o Cradle to Cradle Certified ® (C2C), em livre tradução significa 'do berço ao berço', ilustrando a ideia de Economia Circular quanto ao ciclo de vida de extração, produção e consumo. Quebrando, assim, o processo linear de descarte com a prática da reutilização.
Em específico, essa certificação é dividida nas seguintes categorias: “Saúde Material; Reutilização de Material; Energia Renovável e Gestão de Carbono; Gestão da Água e Justiça Social”. E isso demonstra o quão amplo é o conceito de sustentabilidade.
“Hoje a C&A tem um produto 100% com essa certificação, nível Gold (ouro), todo feito no Brasil, com matérias primas nacionais. Produtos como a malha denim e corantes com zero anilina. Segue um ciclo industrial, composto de testes e validações em todo o seu ciclo de vida. Temos produtos que pensam a sustentabilidade desde o designer, como a linha Ciclos; produtos que são pensados para favorecer sua futura reciclagem; software para garantir o melhor aproveitamento de produtos e evitar desperdício de recursos e muito mais”, enumera Marcelo.
PARCERIAS
A C&A trabalha em parceria com confecções de diferentes portes e realidades. Com objetivo de otimizar essas parcerias, conectaram-se ao SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, entre outros players, para partilhar know-how, conhecimentos técnicos e práticos a essas empresas de modo a torná-las mais rentáveis, mais produtivas, com melhor desempenho e qualidade.
Tainah Fagundes fez questão de citar uma grande parceira na trajetória da marca Da Tribu: Parceiros pela Amazônia (PPA), “uma plataforma de ação coletiva liderada pelo setor privado que busca fomentar soluções de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, gerando oportunidades para seus habitantes”.
Além do trabalho da DUME, no protagonismo da Dani Gábriél, auxiliando as marcas a aplicarem estratégias de gestão profissional a seus negócios de forma personalizada e sustentável. A empresa conta com sólida bagagem no mercado de moda, cadeia têxtil, desenvolvimento de produto e economia criativa.
DESAFIOS DA MODA SUSTENTÁVEL
De fato, a sustentabilidade ainda está caminhando lentamente e sua urgente importância precisa ser reforçada em todos os setores. Seja através de programas educativos junto a empresas e escolas. Seja no investimento em tecnologia social e na cobrança de políticas públicas. E ainda na atitude individual e coletiva do cidadão.
Para ter efeito positivo e relevante, toda a ideação da moda sustentável precisa estar baseada nesse pensamento desde os primórdios de sua concepção para que o ciclo se feche com qualidade e eficiência.
Para Marcelo, o designer inteligente deve começar no estilista, deve passar pela boa escolha de matérias-primas, também pela busca de novas soluções e ideias, vindo aliado aos melhores fornecedores e produtores...
"A qualidade do produto é mais um bloco dos princípios da circularidade. Fazer um produto mais durável e pensar na sua posterior destinação responsável ao invés do mero descarte também”, complementa.
Transcrevendo essa lógica citada por ele, especialista em negócios sustentáveis, o processo é frágil e interconectado. Se você usa um produto nocivo, incompatível ou de desmonte muito custoso, por exemplo, você inviabiliza e quebra a cadeia circular.
“Até mesmo o marketing do mundo ainda não aprendeu a trabalhar com a questão da transparência de mostrar ao consumidor final todo o trabalho para se fazer um produto". Mais do que mostrar uma roupa ou bijuteria é contemplar sua preocupação em não poluir o meio ambiente, entender a gestão de resíduo, as questões legais, o valor social de impacto em vidas...
Para concluir, ele afirma: “Somos todos aprendizes neste tema e devemos seguir na mesma direção. Temos sempre que reaprender, olhar de outra maneira, construir novos caminhos juntos. Estamos inseridos no meio ambiente. Cada ação gera um impacto para nós e as gerações futuras”.
Nas palavras da Tainah, a falta destas tecnologias sociais e de um pensamento prévio da ideação e preparo sustentável afeta diretamente no encarecimento da produção.
Encontrar um equilíbrio para cobrir custos e ter retorno torna-se mais complexo. Além de ser imprescindível contar com o valor intangível agregado. Por consequência, encarece o produto para o consumidor final – muito diferente da sua proposta de valor original.
Trazendo para sua vivência, aponta ainda que existem muitos contrastes sociais e desafios na Amazonia, que possui um dos piores Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. Porém, esse empreendimento como o que ela defende fomenta o impacto social da causa, gerando renda e propiciando melhor qualidade de vida a populações regionais.
“Temos ainda um desafio grande da moda tradicional. O mundo não está mais dando conta do acúmulo de resíduos. Quanto mais a gente se conecta aqui para falar de sustentabilidade pela moda é melhor. Poder trocas experiencias é muito rico”, finaliza Tainah.
“A Economia Circular traz para a pauta um novo mindset: repensar e redesenhar a forma como produzimos e como consumimos, onde tudo possa ser recuperado e reutilizado, como acontece nos ciclos biológicos. A provocação de questionar se a sustentabilidade é para todos os negócios é mesmo para dialogar, fazer um benchmarking e aprender juntos. Por isso, a proposta deste encontro de trazer profissionais de perfis de marcas e modelos de negócio diferentes”, conclui Dani.
Qual é o maior desafio hoje no seu modelo de negócio quando você pensa sustentabilidade?
Você pode conferir esse conteúdo em vídeo na íntegra no Instagram @dumeoficial.
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